15.5.06

EM LOUVOR DOS TRABALHOS MANUAIS (cont. 3)


Desenho e trabalhos manuais devem andar vivamente associados. Todas as demais ciências que os meninos hajam de estudar aproveitarão do consórcio do desenho com os trabalhos manuais. Actividade laboratorial que não se alicerce nessa interpenetração do desenho com os trabalhos manuais é actividade que fica um tanto curta nas mangas ao educando. Tudo se há-de dispor de tal maneira que a inteligência e a fantasia congeminem e as mãos realizem o mais possível. Esse o melhor teste do autêntico saber. O espírito inventivo corre paralelo à agilidade nos trabalhos manuais. Conceber uma obra concreta, vê-Ia nascer, vê-Ia crescer, acabá-Ia, representa esteio insubstituível na formação da inteligência, da vontade, do carácter, da personalidade. Não há melhor prelúdio para a futura investigação científica do que a presteza nos trabalhos manuais. É sempre um engenheirola, aquele dos engenheiros que se mostra esquerdo nos trabalhos manuais. Nestes, a inteligência afina-se, as mãos ganharam flexibilidade, leveza e... firmeza.
Quem estiver no segredo dos trabalhos manuais, aí pode encontrar um hobby admirável para as suas férias intelectuais (4). O trabalho Iivra de trabalhos. E em férias, os trabalhos manuais podem ser um salutaríssimo antídoto contra a ociosidade que, como tantas vezes se tem dito, é a mãe (e o pai e a avó...) de todos os vícios. Não deixem, os jovens, ociosos! Que para férias levem o gosto dos trabalhos manuais - marcenaria, escultura, modelagem, a organização de herbários, a física recreativa, a aviominiatura... Esses trabalhos serão admiráveis catalisadores de insuspeitadas aptidões.
A melhor terapêutica para crianças mentalmente atrasadas está nos trabalhos manuais. A criança, pela circunstância de se ver e rever na obra realizada (naturalmente modesta), sente-se crescer em autoconfiança, e alcançado este estado de alma, bem a podemos considerar salva para a vida. Mais vale que a criança saiba fazer do que recitar palavrório. Antes ela seja um pequenino artífice a manipular e a experimentar, do que um prodígio a discursar sobre aquilo de que não sabe patavina (5). Os trabalhos manuais representam uma bofetada no verbalismo. A criança que manualiza está adaptando coisas e loisas ao seu esquema imaginado. Ora, adaptar é já um primeiro passo dado para inventar.
Já .alguém disse que a Humanidade se está perdendo pelo excesso de cérebro, e que ela só pode salvar-se pelos músculos.
Tolices quadradas... A Humanidade há-de salvar-se pela actividade intelectual em colaboração íntima com a actividade manual, postas ao serviço da promoção integral do homem – do homem medida de todas as coisas. A Humanidade estará sempre na iminência de perder-se (predomine o cérebro ou o músculo, ou recìprocamente colaborem), se, na filosofia dos valores, a promoção do homem não constituir o alvo obsessivo. Toda a actividade - a intelectual e a técnica - deve estar na situação ancilar do homem, do homem alfa e ómega da cultura e da civilização.
A designação de trabalhos manuais tem de exorbitar do sentido estrito de artesanato. Está fazendo trabalhos manuais o campista que arma a barraca, que procura a lenha, que faz fogo, que cozinha, que colhe plantas para o seu herbário, que colecciona conchas, que organiza o seu museu de mineralogia, que faz jardinagem, que conserta mobílias partidas, que improvisa chuveiros, cabides, pontes, cadeiras, lavatórios, que pratica a educação física, que faz de contra-mestre da Natureza dobrando-a às suas necessidades, que improvisa laboratórios e oficinas, que faz fotografia, pirogravura, encadernação, tapetes, rendas, cordas, camas, sacos, cintos, canoas, remos...
E se os trabalhos manuais forem realizados em equipa, tendo em vista um trabalho em que cada qual contribui com as suas específicas aptidões, isso será oiro sobre azul. De caminho, estabelecem-se laços de indelével camaradagem, ganha-se o sentido da entreajuda, e tudo isso é de extraordinário valor nas relações sociais.


(4) - Bom seria acabar com o intelectual puro - todo ele .pensamento, da sola dos pés ao cocuruto, deixando ao resto da humanidade sujar as mãos. Os pergaminhos do intelectual não correm o risco de cair na lama, se ele descer, de puro homo sapiens a um pouco de homo faber.
(5) - o fazer deve ter sempre prioridade sobre o ensinar. Fazer que vai à frente ensina duas vezes. «Ensinar pelo fazer», eis o bom. Mais do que bom: o óptimo. E é neste sentido que aceitamos o dito de Bernard Shaw: «quem sabe faz, quem não sabe ensina.»
E, de fácto, temos aí (ai de nós!) muitos professores de filosofia a ensinar filosofia sem a fazerem; muitos professores .de desenho a ensinar desenho, sem o fazerem; muitos... Voltemos à nossa: «Ensinar pelo fazer». É ensino a dobrar. O outro é, sobretudo, psitacismo.
Cruz Malpique - Em louvor dos Trabalhos Manuais. Labor, Revista do Ensino Liceal, N.º 301, Aveiro, Abril de 1972.

3 comentários:

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