Há medos e medos
João Paulo Esperança Segunda-feira, Agosto 07, 2006
Ontem à noite estávamos na cama, no escuro, a ouvir os ecos de fritos e de ferros a bater uns nos outros ao longe, e a minha mulher começou a contar-me como o ruído dos metais a fazia lembrar do que aontecera na terra dela, Liquiçá, em 1999. Perante a aproximação das hordas dos assassinos pirómanos da milícia Besi Merah Putih, os habitantes batiam nos ferros que arranjassem ou nos postes de electricidade para tentar atrair socorro.Pensei no que seria crescer a sentir medo, senti um nó na garganta. Em 1999, em Portugal, eu era membro de associações de direitos humanos, de ONGs, de movimentos de solidariedade, e tinha muitos anos de convívio com a comunidade timorense aí exilada. No “Setembro Negro” estava em Bissau, num projecto de formação de professores, e quando ía à Guiné Telecom ver o meu e.mail tinha a caixa de correio cheia de mensagens de uma lista de discussão de timorenses de que era membro onde se cruzavam agora informações sobre o paradeiro de familiares de amigos meus da diáspora. Fulano tal foi morto, sicrano desapareceu mas a tia de tal disse que o viu a fugir para Dare, ou para Atambua, ou para uma valeta qualquer...Estava solidário e triste com as dores e a ansiedade dos meus amigos, mas não estava directamente implicado. Ontem, com a cabeça da minha mulher apoiada no meu ombro, perguntei-me como era possível tantos timorenses continuarem a arranjar coragem de recomeçar de novo depois de tantas vezes terem perdido tudo: casa, bens, entes queridos... Lembrei-me de como no nosso casamento, lá em Liquiçá, ela me apresentava às amigas da escola e depois de algumas delas se afastarem acrescentava “O pai dela foi morto em 99”.Um perfume suave emanava dos seus cabelos e continuou a falar, explicou-me que depois do massacre na Igreja se ficava agoniado com o cheiro a sangue quando ainda se estava longe do recinto.Perguntei-lhe se agora tinha medo como nessa altura. Respondeu-me que em 99 os polícias e militares eram indonésios, os pedidos de socorro eram inúteis, o medo era sem esperança, agora é diferente, agora há a GNR.
2 comentários:
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