17.4.07

Raramente concordo, mas desta não tenho dúvidas

Menos público do que parece
17.04.2007, Eduardo Prado Coelho
Noutro dia fui surpreendido pelo entrevistado do programa de Judite de Sousa ser o cantor Tony Carreira. Na vez seguinte, que vimos? O entrevistado era o extraordinário Valentim Loureiro, desagradável, mentindo com uma descontracção impressionante, no limite do vulgar. Se, no primeiro caso, Judite de Sousa parece ter ficado incapaz de reagir, com Valentim Loureiro mostrou que é uma excelente profissional capaz de desmontar uma incrível personagem e pôr em causa os critérios jornalísticos que daquele programa. Com tanta gente da ciência, da tecnologia, da cultura ou do espectáculo que valeria a pena ouvir, é lamentável que coisas como estas estejam a acontecer no que se define como serviço público. Pude ver há algum tempo um "Prós e Contras" sobre a televisão que temos. Mas devo dizer que, tendo em conta o formato do programa, me parece que era difícil fazer melhor. O que estava em causa foi tratado, primeiro numa dimensão processual, em que se insistiu sobre entidades reguladoras, o que não foi particularmente estimulante, para só numa segunda parte se considerarem os critérios de programação. E aqui de facto há muito a dizer. Que dizer de um serviço público que tem como principal objectivo ser competitivo com os outros canais, de tal modo que, com a excepção da RTP 2, acabamos por ter todos os canais com a mesma grelha? Vá lá que há TVCabo e, no limite, um último recurso: o DVD. Não consigo entender que o programa da manhã do serviço público seja a Praça da Alegria, de uma mediocridade inqualificável. Não consigo entender que o serviço público seja incapaz de dar espaços a questões mais aprofundadas, que na melhor das hipóteses ficam para os verdadeiros noctívagos. O nosso serviço público falha em coisas essenciais, porque aquilo que faz a verdadeira cultura de um País parece inteiramente banido. O resto são concursos e telenovelas de baixa qualidade. Depois é ver o alinhamento dos telejornais, de tal modo semelhantes em todos os canais que se muda de um para outro e fica a impressão de que se está sempre a ver o mesmo. Para quê fazer a distinção entre o serviço público e o resto, se a lógica do resto é predominante?Viram certamente os programas de António Barreto. No final de cada um deles, apetece chorar. Apesar de algumas excepções, a verdade é que ficamos com a sensação bem amarga de que jamais poderemos arrancar para níveis europeus, sobretudo agora, quando o alargamento da UE e os efeitos terríveis da globalização só podem dar-nos o sentimento de estarmos condenados a uma triste fatalidade. É verdade que a esperança só existe para os desesperados, mas mesmo assim não poderemos esperar grandes melhorias. Veja-se o caos do trânsito, o horror de passar horas para entrar e sair de Lisboa, onde nada está organizado. O país está deprimido não apenas por circunstâncias específicas, mas também por essa falta de horizontes a que se sente submetido.

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