7.3.07

A Origem das Espécies

Deixo aqui um belo texto do Francisco José Viegas que não podia senão divulgar na íntegra, mas o melhor mesmo é ver o post original (além do mais traz fotografias, lindas!)
«A tolerância. As ementas de Sunday brunch. Os parques. O taxista caboverdiano Joseph Santos. Os restaurantes de onde se vê Manhattan ao longe. As estradas entre florestas. As cidades «do mar» entre NY e Rhode Island, Newport incluída. Georgetown, a M Street e o bar Nathan’s (e as longas conversas tardias com o Nuno M.P.) em Washington. O The Sports na 7ª Av, em NY. A comida que recupera os sabores de infância com níveis de colesterol médios e ovos cozinhados de todas as maneiras. O prime rib steak. As batatas novas salteadas com alho. As smoker’s stations à porta dos aeroportos, que evitam que os passeios estejam sujos de beatas. Onésimo Teotónio de Almeida. Bagels. Barnes & Noble. Os saldos de 50% das livrarias. Os saldos de 60% na livraria da Brown, em Thayer Street. A mania de proteger as árvores. O arquivo de jazz da Rutgers University e a vitrina onde está o trompete verde de Miles Davis. Sanduíche de pastrami em pão de centeio e batatas fritas passadas por alho, farinha de milho e ervas. A tolerância com que os americanos aturam as ideias feitas dos europeus sobre o seu país. A Brown University – com as suas bibliotecas abertas de noite, os casarões ocupados por estudantes, os relvados, as árvores e o Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros. O túmulo de H.P. Lovecraft, que hei-de ver da próxima vez. As cores, o cheiro dos livros, as sombras (e a multiplicação dos misteriosos exemplares de Lives of the English Poets, de A Journey to the Western Islands of Scotland, de Samuel Johnson e de Life of Johnson, de Boswell), as cadeiras nos recantos mais inesperados da Athenaeum (a quarta mais antiga biblioteca dos EUA, em Providence – que Edgar Allan Poe frequentava). E, já agora, não muito longe, a tranquilidade da John Hay Library, e a beleza da John Carter Brown Library. A pluralidade racial. As capas dos livros, os saldos dos livros, os livros. As public libraries. A mercearia do Sr. Pedroso, no velho bairro português de Providence. Os pequenos-almoços suculentos e cheios de colesterol. As melhores cervejas do mundo, da Sierra Nevada à Sam Adams (Nut Brown ou Triple Bock), da Leinenkugel à Breckenridge, da McNeill’s à Anchor Steam. O hábito de dizer how are you? como cumprimento. Os estrangeiros que são americanos. Os americanos tranquilos. O sistema de financiamento dos estudos universitários. R.W. Emerson. Os restaurantes, o Cliff Walk, a pequena Touro Synagogue e as mansions (The Breakers, Marble House, Rosecliff) de Newport. O comandante do avião que atravessou a pista de Albany a correr, no meio da neve, para arranjar água para os passageiros do avião (que tinha sido desviado por causa do mau tempo). Chávenas de clam chowder. Onésimo outra vez. Cape Cod ao longe.»

4 comentários:

Anónimo disse...

eu não sei se tu lês isto mas...
deixa-te de merdas e vai à luta pelo que realmente queres antes que um dia acordes e seja tarde de mais!

Anónimo disse...

ATREVE-TE!

Anónimo disse...

o amigo que escreveu estas belas palavras podia fazer o favor de as assinar?
abraço,
AEF

Anónimo disse...

Liberais à moda antiga
francisco providência




Francisco José Viegas, Escritor

Éimpossível falar de liberdade sem falar de gente que, à moda antiga, preza a liberdade. Não se trata de liberalismo - para não confundir com uma das cartilhas em voga; trata-se de liberdade e, por isso, tenho falado de "liberais à moda antiga" a propósito de uma série de pessoas que, geralmente de modo solitário e à revelia do pensamento dominante, se preocupa com estas questões.

Ora, independentemente do que se tem escrito sobre o Sistema Integrado de Segurança Interna (SISI) e sobre a sua dependência directa do primeiro-ministro, que também supervisiona o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e os serviços de informações (SIS e SIED), há aqui matéria para reflexão. Não só sobre aspectos técnicos mas, também, acerca do acesso que uma só pessoa pode ter a dados cujo cruzamento pode constituir uma intromissão ilegítima do Estado ou de funcionários do Estado na vida dos cidadãos.

Há, evidentemente, a posição corrente que manda dizer que "quem não deve não teme". Nesta perspectiva, tanto o conhecimento da folha de IRS como o acesso a toda a base de dados do Ministério da Justiça ou a elementos sobre a vida familiar do cidadão (aproveitamento escolar, património, carreira, etc.) podem ser públicos, que daí não viria mal ao mundo. Justamente, vem há dados que, reunidos, constituem uma ameaça à esfera privada dos indivíduos e podem sinalizar uma intromissão inadmissível na sua vida familiar. Não pelos dados em si mesmo - mas pelo que se pode fazer com eles em circunstâncias que estão para além da lei.

É preciso dizer que esses dados estão acessíveis, mas não é ainda possível cruzá-los de modo a ter uma ficha completa do cidadão (neste caso, dos funcionários do Estado). Mas ninguém desconhece que, em casos de investigação policial, é possível ter acesso a esses elementos, e que o combate ao terrorismo colocou novas e profundas exigências às forças de segurança. Ninguém ignora que estão em causa direitos individuais. E, se ninguém pode garantir que existam "direitos individuais absolutos" (para já não matraquear a velhíssima e pernóstica declaração de que "a minha liberdade acaba onde começa a dos outros"), também não é legítimo que os supostos "direitos colectivos" possam massacrar os direitos individuais.

Não estão em causa, nestas dúvidas, nem o primeiro-ministro José Sócrates nem o seu respeito pelos valores da liberdade. O que deve alertar-nos, a todos, é que essa concentração da vigilância (bem como as possibilidades que oferece), sendo permanente e publicamente justificada com a necessidade de eficácia e de um melhor Estado, é aceite sem pestanejar e sem discussão. Apenas meia dúzia de solitários escreve sobre o assunto e manifesta preocupações acerca da liberdade - em cuja base, como escrevia esta semana Vasco Pulido Valente, está a privacidade. Em Portugal, fala-se bastante de cidadania mas não dos cidadãos; prefere-se o Estado aos indivíduos; garante-se a liberdade em termos gerais mas dispensa-se a reflexão sobre o direito à privacidade, à esfera privada e à confidencialidade.

Só o facto de não haver discussão, quer sobre essa proposta governamental de concentração dos serviços de informação e segurança, quer sobre o cruzamento de dados dos funcionários do Estado e da Administração Pública, quer sobre o mesmo cruzamento de dados municiado pelo Cartão Único, é no mínimo preocupante. Mas pensar que os cidadãos (e os seus representantes parlamentares) estão dispostos a abdicar dessa discussão por não a acharem relevante, pode vir a ser aterrador.

Hoje, o cruzamento de dados pelo Estado, o Cartão Único, e a concentração de informação. Amanhã, a vigilância e o controlo das famílias e dos indivíduos. Foi sempre assim.

Francisco José Viegas escreve no JN, semanalmente, às segundas-feiras

http://jn.sapo.pt/2007/03/12/opiniao/liberais_a_moda_antiga.html